O mistério de tio Tommy: o homem que fundou a revista Newsweek e foi parar no Alto Vale

O mistério de tio Tommy: o homem que fundou a revista Newsweek e foi parar no Alto Vale


No túmulo de Thomas John Cardell Martyn, piloto e jornalista britânico enterrado em Agrolândia, está escrito: “Founder of Newsweek” – assim mesmo, em inglês. Alguns habitantes do município no interior de Santa Catarina possivelmente não sabem o que isso significa, mas esse era o maior orgulho de Martyn.

Foi o próprio que mandou fazer a inscrição na lápide em pedra, na sepultura imponente onde descansa desde 1979, ao morrer vítima de câncer, aos 83 anos. Mas como uma figura tão importante na história do jornalismo dos EUA veio terminar os seus dias no Brasil, em uma cidadezinha de pouco mais de 10 mil habitantes?

É isso que o documentário “Tio Tommy – O Homem que Fundou a Newsweek”, dirigido por Loli Menezes, tenta responder. O filme é uma das atrações que entra hoje na plataforma da 26ª edição do Festival É Tudo Verdade, com programação online e gratuita até o dia 18.

O projeto nasceu há nove anos, quando um amigo de Loli, o roteirista Malcon Bauer, natural de Agrolândia, contou que o fundador da “Newsweek” estava enterrado na sua cidade natal. “Inicialmente, pensei que fosse um engano. Como fiquei muito instigada, comecei a fazer pesquisa, de forma despretensiosa, para tentar descobrir como ele tinha ido parar em Agrolândia”, conta a gaúcha Loli, que mora em Florianópolis.

Em seu trabalho de estreia atrás das câmeras, a documentarista viajou até a Inglaterra, os EUA e a Alemanha, percorrendo 15 cidades, para entender os mistérios que pontuam a vida de Martyn. Uma das possibilidades é que ele teria sido um espião do governo dos EUA na América do Sul, por conta da preocupação dos americanos com o avanço do comunismo no mundo.

O percurso do “Tio Tommy”, como era chamado pelos parentes que deixou em Santa Catarina, é refeito com documentos, cartas, vídeos caseiros, fotografias, fitas de áudio e muitas entrevistas com familiares e representantes da imprensa e de política internacional. Também foi usado um manuscrito de suas memórias, que ele não chegou a publicar.

Filho de um soldado britânico que morreu em Joanesburgo, Martyn inicialmente seguiu os passos do pai. Aos 18 anos, ele deixou os estudos na Universidade de Oxford para se alistar. Foi piloto da força aérea britânica durante a Primeira Guerra Mundial. Quando seu avião foi derrubado pelos alemães, ele perdeu uma perna, passando a usar uma prótese.

Sua carreira no jornalismo foi iniciada em 1923, quando ele se mudou para os EUA para se tornar o primeiro editor de internacional da revista “Time”, criada naquele ano. Graças ao prestígio que a publicação alcançou, ele passou a frequentar o círculo de intelectuais da época, em Nova York, convivendo com personalidades como F. Scott Fitzgerald e a sua mulher, Zelda, além de Nelson Rockefeller e Thornton Wilder.

Dois anos depois, quando a “Time” foi transferida para Cleveland, para diminuir os seus custos de operação, Martyn preferiu não mudar de cidade, indo trabalhar no jornal “The New York Times”. Foi lá que ele teve a ideia de desenvolver um projeto próprio.

Por acreditar que havia espaço para mais uma revista de notícia semanal no mercado americano, como a “Time”, ele angariou fundos com empresários de sucesso e figuras poderosas. Com a ajuda de Rockefeller, Ward Cheney, John Hay Whitney e Paul Mellon, entre outros, Martyn fundou a “Newsweek”, em 1933.

Concebida como a rival da “Time”, a “Newsweek” surgiu com uma abordagem mais ponderada das notícias, buscando parecer mais sóbria e madura e menos opinativa. E a publicação se mantém até hoje como uma das maiores e mais respeitadas revistas semanais nos EUA. É a segunda de maior circulação nos EUA e conta com 30 milhões de leitores em suas plataformas.

Quatro anos após a sua fundação, no entanto, a revista perdeu dinheiro e, para continuar em circulação, precisou se fundir com o jornal semanal “Today”, que também dava prejuízo. E, por uma série de rivalidades no conselho da “Newsweek”, Martyn foi forçado a vender a sua parte da empresa, o que teria sido um duro golpe.

Não há registros sobre o que ele teria feito de 1937 até o início dos anos 1950, até desembarcar no Brasil – depois de uma temporada na Argentina, seu ponto de entrada na América do Sul. “Mas durante a minha pesquisa encontrei em um fórum de política a citação de que Martyn teria sido uma figura importante da operação Mockingbird”, diz a cineasta, de 43 anos.

Loli se refere aqui à suposta operação secreta da CIA, a agência de inteligência dos EUA, em que jornalistas eram pagos para propagar o ponto de vista do governo americano, para influenciar a opinião pública. A operação contou com mais de 3 mil colaboradores, sobretudo nos anos 50, em plena Guerra Fria.

“Como Martyn era um jornalista internacional, conhecedor do cenário político, ele pode ter procurado novas oportunidades profissionais ao deixar a ‘Newsweek’. Se ele ganhou mesmo uma missão na América do Sul, por que não aceitaria?”, diz seu neto e xará, o americano Thomas Martyn, em depoimento no filme.

A própria família do jornalista, que se casou três vezes e teve quatro filhos, não sabe ao certo o que estaria por trás da vinda de Martyn ao hemisfério sul. Ele conheceu sua última mulher, a catarinense Mary Irmgard Stahnke, quando já estava no Brasil.

Depois do casamento, realizado em 1961, eles moraram no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Florianópolis. Só em 1971, quando a esposa passou a sofrer de câncer, é que a dupla se instalou em Agrolândia, cidade natal de Mary, onde ela morreu seis anos antes do marido.

O curioso é que os familiares catarinenses nunca souberam de onde vinha o dinheiro de Martyn, que tinha passaporte de diplomata (para o qual não há explicação oficial). Seus parentes só lembram que o jornalista usava muito a máquina de escrever e constantemente enviava cartas, sempre destinadas ao exterior.

Pelos relatos dos familiares, que se encarregavam de levar as cartas ao correio, sem terem ideia do conteúdo, Martyn sempre manteve um excelente nível de vida, sobretudo para o padrão de simplicidade de Agrolândia. Até hoje o seu túmulo é o mais majestoso no cemitério da pacata cidade.



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