Segunda paciente com HIV pode ter se curado da infecção sem tratamento; entenda

Segunda paciente com HIV pode ter se curado da infecção sem tratamento; entenda


Uma argentina de 30 anos pode ser a segunda pessoa no mundo que se infectou e conseguiu se curar do vírus HIV sem a necessidade de tratamento, aponta uma pesquisa publicada nesta terça-feira (16) no “Annals of Internal Medicine”.

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Segundo o estudo – de pesquisadoras em Buenos Aires e em Boston, nos Estados Unidos –, a mulher vem mantendo uma carga viral indetectável do HIV tipo 1 (HIV-1) há 8 anos, mesmo sem terapia antirretroviral nem transplante de medula óssea.

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Nesta reportagem, você vai entender:

  1. A questão em torno do “tipo de cura” alcançado pela paciente – e por que ela nunca poderá ser totalmente comprovada
  2. Os detalhes do caso (a paciente engravidou e deu à luz um bebê sem HIV)
  3. O mecanismo dos ‘controladores de elite’ para deter o vírus
  4. A diferença entre esse caso e outros dois que também foram curados do HIV – só que com um transplante de medula óssea
  5. Por que o HIV é tão difícil de curar

1. ‘Tipo de cura’

Para chegar à conclusão de que a paciente havia, possivelmente, se curado do HIV, as cientistas examinaram 1,5 bilhão de células da paciente. Elas não encontraram nem partículas do vírus que fossem capazes de se replicar nem provírus do HIV – o vírus com o material genético em DNA, que se integra ao DNA das nossas células.

Até agora, só um outro caso do tipo – em uma mulher de 67 anos – havia sido identificado pela ciência (veja detalhes mais abaixo). As duas pacientes se tornaram conhecidas por serem o que se chama de “controladoras de elite” do vírus – pessoas capazes de obter uma “cura funcional” do vírus mesmo sem receber medicamentos (entenda melhor no tópico 3).

“A cura funcional é aquela em que você controla o vírus e não tem mais nenhuma evidência de que ele possa fazer algum mal à saúde. É aquela daquelas pessoas que a gente chama de controladores de elite – não é uma coisa infrequente, acontece em 1% a 3% das pessoas”, explica Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que, no ano passado, liderou um grupo de pesquisadores que conseguiram eliminar o HIV de um paciente com um novo coquetel de medicamentos.

“Essas pessoas têm carga viral indetectável – então, aparentemente, o vírus não está se multiplicando de uma forma que a gente consiga enxergar com os métodos de laboratório que tem. E elas não têm uma diminuição da imunidade – não cai o CD4 [tipo de célula de defesa]”, completa Diaz.

Só que esses dois casos chamam atenção mesmo entre esses “controladores de elite”. Isso porque essas pacientes foram capazes de controlar o vírus de maneira tão eficiente que não há mais nenhum sinal de que ele tenha capacidade de se multiplicar, explica Diaz.

Mas as próprias autoras do estudo alertam que, apesar de ser provável que a paciente tenha obtido o que chamam de “cura esterilizante” do HIV, não é possível provar isso com absoluta certeza.

“No contexto da pesquisa do HIV-1, isso significa que será impossível provar empiricamente que alguém alcançou a cura esterilizante”, dizem. “Tudo o que pode ser feito razoavelmente é mostrar que alguém não está curado, isolando provírus intactos e/ou HIV-1 competente para replicação”, explicam na pesquisa.

Elas esclarecem que, “embora isso possa parecer insatisfatório, reflete uma limitação intrínseca da pesquisa científica: os conceitos científicos nunca podem ser provados por meio da coleta de dados empíricos; eles só podem ser refutados”.

Nesse ponto, Diaz faz uma crítica: para ele, como as cientistas encontraram vestígios do HIV na paciente, não é possível dizer que o que ocorreu foi uma “cura esterilizante” (entenda melhor a diferença mais abaixo nesta reportagem).

As cientistas reconhecem que os “mecanismos que permitem um resultado tão notável da doença são difíceis” e que os resultados são extremamente raros, mas possíveis.

A autora sênior da pesquisa, Xu Yu, explicou em um comunicado à imprensa que as descobertas podem sugerir uma resposta específica de células do sistema de defesa que abre possibilidade de que outras pessoas com HIV também tenham alcançado a cura sozinhas. Se esses mecanismos imunológicos puderem ser entendidos, a ciência pode desenvolver tratamentos que ensinem o sistema imunológico de outras pessoas a imitar essas respostas em casos de infecção por HIV.

2. A paciente de Esperanza: detalhes do caso

O caso ocorreu na cidade de Esperanza, na Argentina, cerca de 500 km a noroeste de Buenos Aires. A mulher – que ficará conhecida como a “paciente de Esperanza”, como o “paciente de Berlim” e o “paciente de Londres” – teve o primeiro resultado positivo para o HIV em março de 2013.

Nos 8 anos seguintes em que foi acompanhada, os resultados de 10 testes comerciais apontaram carga viral abaixo do limite de detecção, ou seja, indetectável. Também não houve sinais clínicos ou laboratoriais de qualquer doença associada ao HIV-1.

Em 2019, a mulher engravidou e fez um tratamento com a terapia antirretroviral para evitar que o bebê se infectasse, até o parto, em 2020. A criança nasceu e permanece, até hoje, sem o vírus.

Mas por que começar o tratamento se a paciente era uma controladora de elite?

Há pelo menos dois motivos, segundo Ricardo Diaz: o primeiro é que nem todos os controladores de elite permanecem assim para sempre. O outro é que a própria gestação pode fazer com que a mulher perca essa capacidade de controlar o vírus.

“Nem todo controlador de elite é controlador de elite pra sempre. Em 8 anos, um terço deles perde o controle”, esclarece o pesquisador.

“A gente não sabe exatamente o que é que faz eles perderem o controle. Mas, seguramente, é alguma coisa que ao mesmo tempo estimula o vírus e modifica o teu sistema imune. Então você vai ficar menos responsiva. Sabe uma coisa que estimula o vírus e modifica o teu sistema imune? Gestação. Então, mesmo sendo controladora de elite, na gestação, a gente trata”, explica.

Depois que deu à luz, a paciente parou de usar a terapia antirretroviral, mas continuou a controlar a doença naturalmente.

3. Como funciona o ‘autocontrole’ do HIV?

Mesmo com esse controle “de elite” foram encontrados vestígios de que a mulher um dia foi infectada com o vírus e chegou a ter ciclos ativos de replicação viral, segundo as pesquisadoras.

Elas chegaram a essa conclusão depois de encontrar 7 provírus (material genético em DNA) do HIV defeituosos. Um deles era hipermutado (com pedaços que o tornavam defeituoso e incapaz de se replicar) e quase completo, e os outros tinham muitos pedaços faltando (grandes deleções).

Quando o HIV infecta o nosso corpo, ele entra no DNA de todas as nossas células. E, à medida que as células vão se reproduzindo, fazem o mesmo com o material do vírus – e o jogam para a corrente sanguínea.

O que acontece com os controladores de elite, explica Ricardo Diaz, é que o sistema imune mata as células antes que os vírus saiam dela. É uma estratégia chamada “shock and kill” – “chocar e matar”, em tradução livre.

“O que acontece é que só vai sobrar vírus nessas pessoas onde você tem como se fosse um deserto – em que você não consegue fazer com que o vírus se multiplique [para matar as células]”, esclarece.

“Só sobra HIV onde tem cromatina repressora – como se fosse uma tumba para o vírus. E ele não consegue sair. Aí essa pessoa adquire essa cura – porque sobraram pedacinhos de vírus, ou [o vírus] está naquele local que ele não consegue sair, que é a cromatina repressora. Isso acontece muito raramente – e provavelmente aconteceu duas vezes, que a gente tenha detectado: essa moça da Argentina e na outra, de São Francisco”, explica.

4. Pacientes de Berlim e Londres

Há uma diferença entre os casos dessas duas pacientes, controladoras de elite, e de outros dois, que conseguiram a chamada “cura esterilizante” – mencionada no começo da reportagem – do HIV.

Tanto o “paciente de Berlim” (Tim Brown, que morreu no ano passado) e o outro, o “paciente de Londres”, curado em 2019, passaram por um transplante de medula óssea.

(Segundo Diaz, um terceiro caso desse tipo deve ser anunciado em breve – o do “paciente de Düsseldorf”).

Ambos os homens receberam o transplante de medula de pessoas que tinham uma mutação de um gene (CCR5-delta 32) que as tornava naturalmente resistentes à infecção pelo HIV.

Com esse “reset” do sistema imune, foi apagado qualquer vestígio do vírus em seus corpos – até na cromatina repressora, a “tumba” do HIV, explica Ricardo Diaz. Nesse caso, segundo o pesquisador, pode se falar em “cura esterilizante” – que é a mencionada pelas cientistas na pesquisa argentina.

“A cura esterilizante é simplesmente porque o vírus sumiu e os anticorpos sumiram e a imunidade das células – a imunidade celular específica – sumiu também. É quando ele [o paciente] se livra totalmente do vírus. Não é só o vestígio, mas a ausência completa do vírus e qualquer sinal do corpo de que possa ter o vírus”, esclarece Diaz.

Ao mesmo tempo em que explica que é por isso que a ciência acredita que a cura dos pacientes transplantados é esterilizante – pela ausência completa do vírus, diferente da paciente argentina – o especialista esclarece que esses termos são desatualizados. O mais correto seria referir-se aos casos como “remissão sustentada do HIV sem antirretrovirais”.

“Não dá pra garantir, mesmo que você tenha boas evidências, de que uma cura esterilizante aconteceu de fato. Você teria que seguir a pessoa a vida inteira – não tem como tirar um raio-X do corpo da pessoa e falar ‘não existe nenhum vírus mais aqui’. Você consegue amostrar de uma forma limitada – pega uma quantidade grande de sangue, faz biópsia – você não enxerga o corpo todo da pessoa para ver se ela tem HIV”, pondera.

5. Por que o HIV é tão difícil de curar?

Nas pessoas “comuns” – a vasta maioria que não consegue controlar naturalmente o HIV – a intenção da terapia antirretroviral é “acordar” o vírus que está latente – “dormindo” dentro das células – e eliminá-lo. É o mesmo “chocar e matar”, só que com a ajuda de medicamentos.

É essa latência que torna tão difícil eliminar o HIV.

“Tem uma quantidade de células – que é de 0.01% até 0.0001% – que têm vírus latente. O vírus latente vai acordando ao longo do tempo. Se você tratar as pessoas com coquetel, o vírus vai saindo da latência e você vai diminuindo essa porcentagem de vírus latente. Igual a um balãozinho, que vai murchando”, explica Ricardo Diaz.

“Aí você cura a pessoa – só que demora. 80 anos. Para curar uma pessoa, você teria que tratar de forma efetiva por 80 anos. Por isso que não dá para interromper o tratamento – porque, na hora que você interrompe, aparece um vírus latente”, esclarece.

Na pesquisa que liderou no ano passado, ele e sua equipe começaram uma empreitada que pretende diminuir esse tempo para 2 anos.



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